O Brasil tornou-se o nono país a ultrapassar a marca dos cem mil casos por coronavírus. São, agora, 101.147 infecções confirmadas de Covid-19, segundo boletim divulgado ontem pelo Ministério da Saúde. Já a quantidade de óbitos chegou a 7.025. É a sétima nação com maior número de mortes pela doença.
Em apenas 24 horas, o país confirmou 4.588 novos casos e 275 óbitos, alçando posições no ranking das nações onde a Covid-19 faz mais estragos. Para especialistas, o Brasil segue essa escala ascendente devido a políticas de saúde pública desencontradas, falta de testes para pacientes e baixo engajamento ao isolamento social. Há, também, o problema da subnotificação de contágios. Projeções do Imperial College de Londres mostram que, até atingir o pico da pandemia, 20 milhões de pessoas podem ser infectadas, e até 60 mil morreriam.
— Estes números refletem o que pode ocorrer com o país se for mantido o cenário atual: o governo federal decretou estado de emergência em fevereiro em função do coronavírus, mas ainda não usou a prerrogativa da quarentena. Todas as políticas de isolamento social têm sido pontuais, e a adesão a elas está em queda — lamenta Rômulo Neris, virologista pela UFRJ e pesquisador visitante da Universidade da Califórnia. — A maioria das metrópoles está com 70% a 90% de seus leitos de UTI ocupados. Nas próximas duas semanas, podem perder a conta de atender aos pacientes.
Um levantamento realizado pelo Imperial College mostra que o Brasil tem taxa de contágio do coronavírus de 2,8, a maior entre os 48 países avaliados. Ou seja, cada pessoa passa a infecção para quase três. Outros estudos, de instituições como a UnB, apontam que o país desconhece mais de 90% das contaminações por falta de um sistema de vigilância e monitoramento dos casos.
— Há diversos empecilhos: não temos estrutura para a testagem maciça da população, não sabemos se os doentes que se tratam em casa estão devidamente isolados do resto da população, e a densidade populacional das metrópoles dificulta o isolamento social — alerta Neris. — Vale lembrar que um indivíduo infectado demora de uma a duas semanas para manifestar os sintomas. Por isso, o retrato apresentado ontem pelo governo, de cem mil contágios, está defasado. Não sabemos qual é o cenário real.
Coordenador técnico da Sociedade Brasileira de Infectologia, Hélio Bacha concorda que os números do ministério estão “muito longe da realidade”, e define a contagem do governo federal como “mixuruca”.
Bacha destaca que o Brasil foi um dos últimos países atingidos pela pandemia. Ainda assim, não soube se preparar para o baque em seu sistema de saúde.
— Vimos o impacto provocado pela Covid-19 em cidades como Wuhan, Nova York e Barcelona. Poderíamos ter nos preparado melhor para enfrentar a doença. Mas há uma campanha contra o isolamento social, que é a única arma coletiva contra a infecção, contrariando todas as evidências científicas — condena.
Evolução da epidemia
Além do isolamento, segundo Bacha, há outra condição “minimamente necessária” que não foi atendida — uma ampla testagem da população, que permitiria entender a dimensão da Covid-19 e mesmo sua evolução pelo país:
— Não basta só isolar, precisamos testar para fazer um diagnóstico precoce. Isso significa realizar uma testagem eficaz, precisa e rápida. Mas hoje esses testes são destinados apenas a pacientes graves, e conhecemos pouco a doença através deles. Os casos leves e assintomáticos nos mostrariam como a epidemia está crescendo hoje.
Um dos argumentos sustentados pelos opositores do isolamento social é que a prática resultaria em um esfarelamento da economia. A tese, porém, é rejeitada por Gláucia Campregher, professora do Departamento de Economia da UFRGS:
— É um absurdo fazer uma oposição entre economia e saúde pública. O coronavírus provocará uma recessão mundial, mas ela será mais rigorosa em países que não tomaram medidas concretas contra o coronavírus ou demoraram para atender as necessidades da população, como o Brasil — explica. — O governo tem capacidade de segurar o negócio de micro e pequenas empresas e dar auxílios emergenciais aos mais pobres. Os problemas da Covid-19 não vão desaparecer se o comércio for aberto agora.
Diário da Paraíba com O Globo