O Ministério Público Federal (MPF) em Sousa, no Sertão da Paraíba, expediu recomendações à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e à concessionária de energia elétrica Energisa para que providenciem a substituição do modelo de medição de consumo de energia elétrica atualmente aplicado na comunidade cigana na região de Sousa, em que os relógios contadores são concentrados em caixas metálicas coletivas blindadas, mantidas fechadas, sem possibilidade de acesso por parte do consumidor.
A recomendação estabelece 30 dias para que a Energisa promova a substituição do modelo de medição e a Aneel fiscalize o local para comprovar a realização do serviço.
O modelo recomendado pelo MPF para ser aplicado à comunidade cigana é o padrão estabelecido nos artigos 14 e 15 da Resolução Aneel 414, de 9 de setembro de 2010, que estabelece que, em vias urbanas, “o ponto de entrega é a conexão do sistema elétrico da distribuidora com a unidade consumidora e situa-se no limite da via pública com a propriedade onde esteja localizada a unidade consumidora”.
A recomendação também destaca que é atribuição da distribuidora de energia elétrica “providenciar e manter todo o sistema elétrico até o ponto de entrega”.
Para o MPF, ao dispensar tratamento desigual aos integrantes da comunidade cigana, com nítido viés discriminatório, a conduta da Energisa, empresa que atua na condição de concessionária de serviço público, afronta e infringe inúmeros dispositivos da Constituição Federal, da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Lei 7.716/89 (que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor), além do Código de Defesa do Consumidor e a Resolução 414 da Aneel.
Ao expedir a recomendação, o MPF considerou que foi constado que a medição do consumo individual de energia elétrica na comunidade cigana em Sousa é feita “de forma concentrada, utilizando-se de um container de metal fechado que reúne os aparelhos de medição referentes às residências localizadas naquela área, muitas vezes distantes mais de 500 metros do ponto de entrega”. Conforme o inquérito civil instaurado para tratar da legalidade de termos de confissão de dívida firmados com integrantes da comunidade cigana, representantes da Energisa informaram que, na Paraíba, este tipo de medição concentrada foi implantado unicamente na comunidade cigana de Sousa.
A prática, conforme a recomendação expedida, além de possibilitar a perda de energia no percurso entre os medidores e as residências dos consumidores, ainda gera o risco de captação clandestina de energia nesse intervalo sem conhecimento do consumidor (fazendo com que este pague por energia não consumida), e impede que o consumidor exerça o necessário controle sobre a quantidade de energia, cujo consumo lhe é atribuído, já que as caixas blindadas são mantidas fechadas, sem possibilidade de acesso por parte do consumidor.
Para o MPF, o serviço prestado é defeituoso (diante do artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor), uma vez que, em razão da inadimplência ocasionada pelos altos valores das contas de energia emitidas (acarretados pelas circunstâncias do modelo de medição instalado), é realizada com frequência a interrupção no fornecimento do serviço aos membros da comunidade cigana, o que enseja a descontinuidade de um serviço público essencial, e inegável dano aos consumidores, os quais, além de pagarem por serviços de que não usufruíram, ficam privados, por longos períodos, do serviço indispensável de fornecimento de energia elétrica.
Contas exorbitantes
Em 2017, durante audiência pública realizada em Sousa, com a participação de vários órgãos e entidades, os ciganos reclamaram das altas contas de energia elétrica cobradas pela Energisa. Eles apresentaram várias contas de alto valor incompatível com os utensílios domésticos existentes nas residências, algumas com valores que chegavam a mais de R$ 500,00.
Na audiência, o cigano Francisco Alfredo Maia relatou que a casa dele tinha apenas um quarto com uma televisão, uma geladeira e três lâmpadas. Quando a energia da residência foi cortada, Francisco Maia procurou a companhia elétrica para negociar e contou que, para religar o fornecimento de energia, a concessionária cobrou R$ 6.500,00 de entrada, mais 140 parcelas de quase R$ 200,00, mais o consumo. “Aí eu falei lá para a moça que me atendeu: moça, com esse valor eu poderia colocar energia solar na minha casa, mas eu não tenho. Sou assalariado, ganho R$ 930,00”.
Diário da Paraíba com Ascom-PRPB
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