“É o mais escancarado exemplo de como os pobres, em especial os negros, estão diariamente correndo forte risco de serem presos. (Nome do assistido) estava cumprindo uma prisão preventiva injusta, baseada em falso reconhecimento fotográfico, quando, então, passa a responder outra ação penal por fato ocorrido quando ele, comprovadamente, estava na unidade prisional. Mesmo assim, esse ato ilegal e arbitrário ainda deve continuar?”, questionou o defensor público Philippe Mangueira no recurso.
De acordo com o defensor, a ação penal de origem foi recebida pelo Tribunal de Justiça da Paraíba tendo como única fonte o falso reconhecimento fotográfico. O assistido tem sua fotografia em livros de Delegacias de Polícia de Campina Grande e, por isso, também foi falsamente reconhecido em outro processo criminal, que o acusou de duplo homicídio e pelo qual ficou preso preventivamente por um período de dois anos e quatro meses.
Foi justamente no julgamento desse processo, pelo Tribunal do Júri, que o caso chegou para o defensor público. Para embasar a denúncia contra o assistido, foi utilizada a fotografia da sua carteira de identidade, com a foto de quando ainda era adolescente. Ele foi absolvido no momento em que as vítimas afirmaram que não tinha sido ele o autor do crime. Na ocasião, o jovem informou ao defensor público que respondia outro processo por assalto, cuja prova também era um falso reconhecimento fotográfico.
PROVA DOCUMENTAL – No caso do assalto, cuja ação foi suspensa pelo STJ, foi juntada prova documental produzida pelo próprio Sistema Penitenciário, atestando que o jovem esteve preso na unidade prisional no dia do assalto. Apesar disso, o juízo de primeiro grau não acatou o pedido de rejeição da denúncia e preferiu continuar a ação penal com base em reconhecimento fotográfico feito pela vítima, que o teria reconhecido ao visualizar uma única fotografia que a autoridade policial lhe apresentou na fase de inquérito.
Na sequência, o TJPB, ao julgar o habeas corpus, negou a ordem para trancar a ação penal de origem. A justificativa dos desembargadores, que acolheram parecer do Ministério Público, foi que, mesmo preso, o acusado poderia ter saído da unidade prisional para cometer o roubo narrado na denúncia. Contudo, as provas nos autos comprovam que ele estava recolhido na unidade prisional, em regime fechado.
DECISÃO DO STJ – Na decisão do recurso, o ministro do STJ Sebastião Reis Júnior destacou sobre o tema que, “tem-se que o reconhecimento fotográfico em sede policial é uma prova de extrema fragilidade, haja vista a inobservância das recomendações legais dispostas no art. 226 do Código de Processo Penal. Além de suspender a tramitação da ação penal, o ministro determinou ao Juízo de Direito da 5ª Vara Criminal de Campina Grande que preste informações, além de cópias dos principais atos processuais da ação, no prazo de 20 dias, quanto às alegações do presente recurso (especialmente se a denúncia apresentou como indício de autoria exclusivamente o reconhecimento fotográfico do recorrente).
83% dos presos injustamente por reconhecimento fotográfico no Brasil são negros
Eles têm o mesmo perfil: jovens, pobres e negros. São cidadãos brasileiros que estudam, trabalham e sustentam a família. Mas existe outro ponto em comum. A reportagem especial do Fantástico do domingo (21) investiga como funcionam os ‘catálogos de suspeitos’ em delegacias pelo Brasil. Em muitos casos, o reconhecimento por fotografia acaba sendo a única prova na hora de apontar um possível criminoso.
Para especialistas, reconhecimento por fotografia é uma prova sujeita a equívocos, falhas – que em alguns casos estão levando inocentes para a cadeia. Por isso, o reconhecimento fotográfico vem sendo motivo de debate. Um levantamento inédito feito pelo Condege, entidade que reúne defensores públicos de todo país, e também pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro mostra que os negros são, de longe, as maiores vítimas desse tipo de erro: 83%.