A proposta do governo federal para ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda deve incluir até 1,3 milhão de pessoas no total de isentos em 2024. Os cálculos são da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), feitos com base em anúncios do governo e em uma nota explicativa, que prevê isenção para quem recebe até R$ 2.112.
Caso se confirme, a proposta deverá aumentar o número de isentos dos atuais 8.944.261 para 10.294.779, um aumento de 15%. Na tabela vigente do IR – que não é corrigida desde 2015 –, não precisam pagar o imposto aqueles que recebem até R$ 1.903,98 por mês, o equivalente a quase um salário mínimo e meio. O país tem, atualmente, 39.739.161 declarantes.
Cálculos realizados pela Unafisco também mostram que, pelos dados atualizados em fevereiro, a defasagem acumulada na tabela do Imposto de Renda chega a 151,49%. A taxa é a diferença entre os atuais R$ 1,9 mil e R$ 4.788,40 – valor mensal que seria o teto da faixa de isenção caso a tabela fosse corrigida pela inflação desde 1996, segundo os auditores da Receita.
Impactos para o contribuinte
Ainda de acordo com os auditores, apenas no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a defasagem acumulada foi de 31,49%. A correção havia sido uma das promessas de campanha de Bolsonaro em 2018, e se repetiu na corrida eleitoral de 2022. O tema também foi explorado por Lula (PT) na disputa pela Presidência.
Já eleito presidente, Lula voltou a defender a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, em entrevista à apresentadora da GloboNews e colunista do g1 Natuza Nery. A proposta, no entanto, ainda está longe de ser aplicada.
O projeto mais avançado do governo sobre o tema trata justamente da elevação do piso de isenção do IR, a partir de maio, para quem ganha até R$ 2.112. A alteração, no entanto, tem que ser proposta por meio de Medida Provisória, que precisa do aval do Congresso Nacional para se tornar lei (veja mais abaixo).
Para o presidente da Unafisco, Mauro Silva, a proposta é “frustrante”, já que, segundo ele, não é corrigida nem pela inflação e só considera a faixa de isenção.
“É muito pouco. O governo Lula começa cometendo o mesmo erro dos últimos governos. Apenas 470 mil pessoas seriam beneficiadas e deixariam de pagar”, diz. “Quem continua pagando fortemente as políticas públicas é a classe média, que ganha cinco salários mínimos. Dos 39 milhões de declarantes para o ano que vem, bem mais da metade está nessa faixa.”
De acordo com os cálculos de Mauro Silva, a mudança proposta para a faixa de isenção deve beneficiar em R$ 15,60 cada pagante do IR. “É um pão na chapa”, exemplifica.
Trata-se de um cálculo que considera a sistemática de funcionamento da tabela do IR – e que se reflete na parcela a deduzir. Mauro explica que a mudança proposta, mesmo sendo apenas na faixa de isenção, causa um efeito cascata, atingindo igualmente todas as faixas.
A defasagem na prática
A defasagem da tabela leva pessoas com poder de compra cada vez menor para a base de contribuição – ou seja, há cada vez mais pessoas obrigadas a pagar imposto, já que os salários tendem a subir para corrigir a inflação (ou parte dela), enquanto a tabela do IR segue igual.
Como consequência da falta de correção da tabela, contribuintes também pagam uma alíquota cada vez maior em relação aos anos anteriores, já que reajustes salariais (ainda que, em muitos caso, abaixo da inflação) podem fazer com que a pessoa entre em outra faixa de renda da tabela do IR.
Proposta depende de Medida Provisória
Apesar das declarações do governo federal e da nota oficial da Receita sobre a correção da faixa de isenção do IR, a alteração precisa ser proposta por meio de Medida Provisória, que deverá ter aval do Congresso Nacional para se tornar lei. Ainda não foi anunciada uma data para que a MP seja editada.
Em entrevista à TV Globo na segunda quinzena de fevereiro, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, explicou que a faixa de isenção será ampliada para R$ 2.112 a partir de maio e que quem ganha até R$ 2.640 não pagará IR a partir do mesmo mês.
A explicação, também divulgada em nota pelo órgão, é que, além da faixa de isenção ampliada para R$ 2.112, haverá um desconto mensal de R$ 528 direto na fonte. Ou seja, sobre o imposto que seria devido pelo empregado.
Isso porque o governo quer manter a promessa de deixar isentos todos que ganham até dois salários mínimos – a partir de maio, o valor do mínimo será de R$ 1.320.
Na prática, somando os dois mecanismos, quem ganha até R$ 2.640 não pagará IR – nem na fonte, nem na declaração de ajuste anual.
Perguntado pelo g1 sobre a elaboração da Medida Provisória, o Ministério da Fazenda não se manifestou até o fechamento desta reportagem.
Deduções defasadas
Os cálculos divulgados pelos auditores também apontam a desatualização dos limites das deduções permitidas e das parcelas a deduzir de cada faixa de renda.
Na declaração deste ano, correspondente aos rendimentos de 2022, o teto do desconto por dependente é de R$ 2.275,08 por ano. Esse valor não deve ter alteração na declaração de 2024 com base na proposta de faixa de isenção feita pelo governo.
Com a correção integral pela inflação, no entanto, poderia chegar a R$ 5.721,66 na declaração do ano que vem, correspondente aos rendimentos de 2023, segundo dados atualizados pela Unafisco.
Já a dedução com gastos relacionados à educação está limitada a R$ 3.561,50 por ano pela tabela atual – e deve se manter diante da proposta do governo. Para repor toda a defasagem inflacionária, o valor corrigido deveria ser de R$ 8.956,91.
Resultado para os cofres públicos
A arrecadação federal com imposto de renda para o ano-calendário 2023, Exercício 2024, está estimada pelos auditores em R$ 403,60 bilhões. Qualquer correção da tabela representa uma perda de arrecadação para o governo.
A Unafisco estima que a alteração proposta pelo governo federal deve reduzir o montante em R$ 6,68 bilhões, chegando a R$ 396,92 bilhões. No caso de correção integral da tabela pela inflação, a cifra que entra nos cofres públicos cairia R$ 236,24 bilhões, chegando a R$ 167,36 bilhões – menos da metade do valor atual.
g1