A denúncia, que partiu da própria direção da Universal, é investigada pelo Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Decor), da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). A suspeita da Iurd é de que o grupo, supostamente liderado pelo ex-pastor regional Nei Carlos dos Santos, teria desviado, no mínimo, R$ 3 milhões. Os religiosos se organizaram para abrir empresas de fachada e lavar os recursos amealhados com os desvios, principalmente do chamado “Culto dos 318”, reunião de fiéis destinada a empresários e pessoas que desejam melhorar suas vidas financeiras.
Santos e os outros 11 religiosos também teriam ligação com o ex-garçom Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como Faraó dos Bitcoins, preso pela Polícia Federal em agosto deste ano. A PF acredita que as movimentações bilionárias feitas pelo Faraó teriam começado com o desvio de ofertas dos fiéis da Universal, supostamente facilitadas por Nei.
O Metrópoles teve acesso a documentos que indicam a prática de delitos como organização criminosa, apropriação indébita e lavagem de dinheiro. A Universal, vítima dos pastores golpistas, acionou as autoridades policiais ao tomar conhecimento do desfalque milionário. Outra medida adotada pela igreja foi demitir os 12 suspeitos.
Enriquecimento ilícito
A jornada profissional de Nei dos Santos é marcada por extremos. Quando jovem, morava no Gama Leste e atuava como motoboy. Em 1997, foi consagrado pastor da Iurd. Seis anos depois, passou a conquistar a confiança da cúpula da igreja e começou a exercer atividade de pastor regional no Distrito Federal, função sensível, pois era o responsável por vários templos, não só dando suporte espiritual, mas também com acesso irrestrito às ofertas e doações, sendo responsável direto por prestar contas à direção.
A vida simples, mantida com o auxílio mensal de R$ 2,9 mil pagos pela Universal, sofreu uma reviravolta em 2020. Nei dos Santos mudou-se para um apartamento de luxo na Quadra 208 da Asa Norte, bairro nobre de Brasília. O prédio, de seis andares, tem apenas dois apartamentos por pavimento. Os imóveis são vazados e com amplo espaço na cobertura. Mesmo recebendo pouco mais de dois salários mínimos, Santos conseguiu adquirir um imóvel no sexto andar do edifício, por R$ 2,6 milhões, com parcela mensal de R$ 87,7 mil.
Para se ter uma ideia, mesmo somando os 23 anos de congregação, o rendimento do religioso não seria suficiente para arcar com a propriedade. Em documento enviado à polícia, os advogados da igreja ressaltam que uma das premissas da Universal é a dedicação integral à atividade religiosa. A entidade busca subsidiar necessidades básicas dos membros. Porém, “sem qualquer tipo de luxo ou ostentação”.
A vida de ostentação não se baseia apenas na moradia. Mesmo com a transação milionária, Nei dos Santos comprou, ao menos, três carros, totalizando R$ 248 mil.
Veja parte do contrato de compra do apartamento de R$ 2,7 milhões pelo pastor Nei:
Com upgrade na conta bancária, o religioso começou a empreender. Abriu, sem conhecimento da Universal, uma empresa de psicologia, consultoria e tecnologia. A atividade econômica principal da firma, que ostenta capital social de R$ 500 mil, era de consultoria em tecnologia da informação.
Em consulta ao site de Receita Federal, a reportagem constatou que a empresa NS Psicologia, Consultoria e Tecnologia Eireli está localizada em duas salas (1807 e 1808) do centro comercial Brasil 21. No entanto, quando o Metrópoles foi ao local, encontrou o espaço fechado.
Antes de registrar a firma no endereço da Asa Sul, a NS funcionava em Águas Claras, mesmo local onde a GAS Consultoria e Tecnologia LTDA., de propriedade do ex-pastor Glaidson Acácio dos Santos, exercia atividades.
Nei dos Santos também constituiu outra empresa, a New Gestão Empresarial. Ele abriu o negócio em sociedade com um religioso da mesma congregação: Welison Fernandes Pereira, reforçando a suspeita de que mais membros podem estar envolvidos nas possíveis irregularidades. Denúncia apurada pela PCDF detalha, ainda, que Nei dos Santos costumava realizar reuniões em sua casa na época em que ele desempenhava funções na igreja.
“Nesses encontros, foi relatado que eles efetuavam operações financeiras (bitcoin) utilizando dinheiro supostamente desviado proveniente dos dízimos e ofertas. Não à toa que investigado e ex-pastores abriram diversas empresas nos últimos meses”, diz o texto assinado por um advogado da Universal e encaminhado aos investigadores do DF.
O Metrópoles apurou que os suspeitos constituíram empresas de consultoria, tecnologia e transporte em Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina.
Veja foto de alguns dos pastores denunciados pela igreja:
Além dos suspeitos apresentados na imagem acima, outros cinco estão sob investigação: Carlos Alexandre de Oliveira, Cosme da Costa, Dayvid Jasino, Marcelo Eisenhower Neiva e Wanderson de Souza.
Sem saber explicar a origem dos bens acumulados, Nei foi desligado da Universal em 4 de fevereiro deste ano. “Fica evidente que esta empresa (NS Psicologia) pode ter sido constituída para lavar dinheiro do desvio de dízimos e ofertas. O próprio capital social da empresa já seria incompatível com a sua renda, sendo impossível sua criação utilizando valores legais”, diz a Universal em denúncia enviada à PCDF.
Entenda os desvios:
Formada em gestão pública, uma mulher de 39 anos, moradora do Distrito Federal, foi vítima da GAS Consultoria. Sob condição de anonimato, ela relata que conheceu a empresa por meio de sua psicóloga, a qual indicou uma pastora da igreja evangélica, representante da consultoria. “Marcamos em um restaurante. Ela me explicou as condições. Eu acreditei porque foi recomendação da minha terapeuta. A psicóloga disse que já investia e o lucro era certo. Saquei todo o meu FGTS, R$ 62 mil, e apliquei. A promessa era um rendimento mensal de 10% do valor investido”, detalhou a mulher. Após a operação da PF, a vítima se deu conta de que era um golpe e registrou ocorrência na PCDF.
Em denúncia feita à Justiça, o Ministério Público Federal (MPF) aponta que os representantes da GAS ofereciam uma espécie de contrato de investimento coletivo denominado “Contrato de Prestação de Serviços para Investimento em Bitcoin – moeda criptografada”, por meio do qual assegurariam aos investidores o rendimento bruto mensal de 10% sobre o valor investido por um prazo determinado mediante “aplicação de dinheiro brasileiro em mercado financeiro da moeda criptografada denominada Bitcoin”, com a previsão de que a remuneração da contratada pelos serviços prestados seria “o valor que ultrapasse o percentual líquido auferido pelos Contratantes, enquanto durar o presente contrato”.
Em abril deste ano, houve a apreensão, pela PF, de R$ 7 milhões em espécie, acondicionados em três malas que seriam transportadas de helicóptero do balneário de Armação dos Búzios (RJ) para a cidade de São Paulo (SP), com destinação desconhecida. A própria empresa reconheceu a titularidade dos valores, pleiteando a restituição.
Com o avanço das investigações, informações obtidas por meio de relatórios de inteligência financeira, afastamentos de sigilos fiscais, interceptação telefônica e medidas de busca e apreensão revelaram a magnitude do esquema criminoso, que movimentou, de maneira ilícita, pelo menos R$ 38.223.489.348,97, por meio de pessoas físicas e jurídicas no Brasil e no exterior, sendo mapeadas, até o momento, atividades da organização criminosa em, ao menos, sete países: Estados Unidos da América, Reino Unido, Portugal, Uruguai, Colômbia, Paraguai e Emirados Árabes Unidos.
Ações judiciais
Centenas de vítimas que sofreram prejuízos após a quebra das pirâmides financeiras promoveram uma corrida aos tribunais para tentar reaver parte dos valores investidos. Segundo o advogado Leonardo Honorato, especialista na área de recuperação de ativos, sócio do escritório Almeida, Honorato e Pimenta Advogados, os clientes da GAS interessados em recuperar os valores investidos devem ajuizar as ações o quanto antes: “Já existem mais de 300 processos distribuídos, considerando somente o estado do Rio de Janeiro e o Distrito Federal e não se tem certeza de que os valores bloqueados pela Justiça sejam suficientes para ressarcir o capital original de todos os investidores”, disse.
Procurada, a defesa da Igreja Universal do Reino de Deus informou que não irá mais se pronunciar sobre os fatos, pois pediu segredo de Justiça no processo sobre os 12 ex-pastores. Também foram feitos contatos com Nei Santos e as defesas de Glaidson e a GAS Consultoria e Tecnologia, mas eles não se manifestaram. Os outros 11 ex-pastores denunciados pela Iurd não foram localizados pela reportagem. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.
Metropoles