A nova linhagem do novo coronavírus detectada na semana passada no Reino Unido — e que levou o premiê Boris Johnson a — decretar lockdown em Londres no último dia 19 e mais de 40 países a suspenderem voos para o território britânico — é potencialmente mais transmissível que a versão atual.
Os cuidados para prevenir a infecção, porém, não mudam, a eficácia das vacinas não deve ser afetada, e a linhagem não aparente ser mais letal, afirmam especialistas.
Autoridades de saúde do Reino Unido alertaram, em 13 de dezembro, que tinha sido detectada uma nova linhagem do Sars-CoV-2 no país, que, àquela altura, já havia causado 1.108 casos. A variante recebeu o nome de B.1.1.7 e em pouco tempo passou a predominar no sudeste da Inglaterra.
Segundo a ECDC (European Centre for Disease Prevention and Control), estima-se que nova linhagem tenha uma transmissibilidade até 70% superior ao que se tem como parâmetros atualmente.
As agências de saúde, especialistas e autoridades científicas do Reino Unido afirmam, porém, que tal linhagem não deve afetar a eficácia das vacinas que foram desenvolvidas contra a Covid-19.
A preocupação quanto a uma possível interferência vacinal ocorre pelas 17 mutações identificadas na linhagem, um grande número, considerando-se o padrão para o Sars-CoV-2 até aqui.
Três dessas alterações ocorreram na proteína S do vírus, a estrutura que ele utiliza para se ligar ao receptor ACE2 das células humanas e as invadir. E é exatamente a proteína S que é usada por certas vacinas, como a da Pfizer.
De modo geral, a vacina faz o corpo ter contato com a proteína em questão e, dessa forma, quando uma infecção viral pelo Sars-CoV-2 de fato ocorrer, o sistema imune reconhecerá o invasor e já terá uma defesa específica pronta para o combater.
Uma das mutações encontradas na espícula (“spike”, em inglês, daí o uso da letra S) da linhagem B.1.1.7 é a N501Y, que, segundo o COG-UK (Consórcio Genômico do Reino Unido para Covid-19), aumenta a afinidade entre a proteína S e o receptor ACE2, o que poderia, em teoria, resultar na facilitação da invasão das células humanas.
Mudanças significativas nessa região do vírus poderiam, eventualmente, levar a uma queda da eficácia de vacinas. Esse cenário, contudo, parece distante.
“Por enquanto, nós não estamos preocupados”, diz Marco Cavaleri (Head of Biological Health Threats and Vaccines Strategy), durante entrevista coletiva de imprensa da European Medicines Agency em que foi anunciada a autorização para uso da vacina da Pfizer/BioNTech em território europeu.
Segundo Cavaleri, uma maior preocupação é necessária caso ocorram muitas mutações na proteína S. “Mas precisamos ver o vírus mudar muito antes de pensarmos na possibilidade de ter que mudar as vacinas”, diz.
Maurício Nogueira, virologista da Faculdade de Medicina de Rio Preto, também afirma ser pouco provável uma influência sobre a eficácia das vacinas. “Estamos falando de poucas mutações, e você tem diversos outros fragmentos do vírus que também geram imunidade.”.
Ele lembra que a própria Pfizer já chegou a fazer testes de resposta de seu imunizante contra diferentes linhagens do Sars-CoV-2 e que as respostas foram positivas. “Seria necessário um acúmulo enorme de mutações ocorrendo e sendo selecionadas para influenciar na vacina.”
Ao falar das mutações encontradas, o COG-UK, consórcio de genômica britânico, também afirmou não haver razão para crer que elas afetam a eficácia das vacinas.
Fora a preocupação com a imunização, outro ponto foi levantado, nesta segunda-feira (21), por pesquisadores britânicos: a contaminação de crianças.
Peter Horby, professor da Universidade Oxford e chefe do Nervtag (New and Emerging Respiratory Virus Threats Advisory Group) disse que “agora há elevada confiança de que essa nova varaiante tenha uma vantagem de transmissão sobre outras em circulação no Reino Unido”.
Enquanto isso, Neil Ferguson, do Imperial College e também membro do Nervtag, disse carecer de mais dados para determinar a propensão de a nova variante infectar mais as crianças. “Não estabelecemos qualquer causalidade nisso, mas podemos ver nos dados”, afirmou Ferguson.
Nogueira ecoa o alerta. “Falta informação cientifica para entendermos”, diz. “Precisamos dos dados biológicos. Preciso saber se esse vírus realmente transmite mais. Preciso saber se é mais agressivo. Preciso provar que ele transmite mais para crianças.”
De toda forma, os especialistas ouvidos pela Folha afirmam que, apesar de merecer atenção, a prevenção quanto a linhagem B.1.1.7 segue a mesma: uso de máscara, lugares bem ventilados e distanciamento social.
Especialistas veem risco de nova linhagem ter chegado ao Brasil Mutações em vírus são normais. Por isso, é esperado que haja alterações no DNA no Sars-CoV-2.
Tanto que, segundo Ester Sabino, epidemiologista e pesquisadora do Departamento de Moléstias Infecciosas e do Instituto de Medicina Tropical da USP, até o momento já foram computadas mais de 800 linhagens no mundo e 40 no Brasil.
Em uma situação de pandemia, com números elevadíssimos de novas infecções por dia, é ainda mais provável o surgimento acelerado de mutações –já que o vírus está constantemente se replicando e infectando novas pessoas.
Cientistas do Reino Unido têm a hipóteses que a nova linhagem possa ter surgido de um paciente cronicamente contaminado com a Covid-19, o que poderia ter levado ao grande número de mutações.
A especialista da USP afirma que existe a possibilidade de a B.1.1.7 já estar em território nacional, considerando que ela circula pelo Reino Unido há algumas semanas, pelo menos. Sua presença também foi detectada na Dinamarca, na Holanda e na Austrália, pelo menos.
“A evidência que temos é que surgiu há pouco tempo e está crescendo e se sobrepondo a outras linhagens”, diz a especialista sobre a aparente maior infecciosidade da variante.
Nogueira exemplifica com a história hipotética de um homem e uma mulher, ambos contaminados com linhagens diferentes de Covid-19, que viajam para uma cidade vizinha. Se a variante que o homem carrega for mais transmissível, e ele chegar na cidade e for a um shopping, ele pode causar um surto. Se, porém, o homem chegar, ficar isolado, e só a mulher for no shopping, ela pode causar um surto.
“E aí daqui 15 dias vai todo mundo falar que o vírus dela é mais transmissível”, afirma o pesquisador. “É o nosso comportamento que regula isso. O vírus não é nada sem nós para infectar, multiplicar e transmitir.”
Sabino afirma que, no momento, tudo o que se tem a fazer é ficar vigilante e conhecer as estruturas das linhagens que surgem para, se necessário, adicionar em vacinas futuras.
Folha Press