Se há tratativas sobre delação, é porque Mauro Cid decidiu entregar superiores

O noticiário político foi tomado, neste 7 de Setembro, pelas especulações a respeito de uma provável delação do ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o tenente-coronel Mauro Cid. Os entendimentos avançaram com a Polícia Federal e dependerão, agora, da concordância do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Os conteúdos encontrados no celular do militar jogaram ele na lama e a única forma de conseguir benefícios em uma eventual pena é implicar autoridades superiores, no caso, invariavelmente, o ex-presidente.

Muitas coisas implicam o tenente-coronel. A lista inclui fraude nos cartões de vacina, dele, da mulher e do ex-presidente e da filha; a suposta participação em uma tentativa de golpe militar; desvio e venda ilegal de joias do acervo presidencial e pagamento de despesas da ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, em dinheiro vivo de origem duvidosa. Em todos os casos, as provas físicas implicam Cid e ele precisará compartilhar a culpa, implicando terceiros. O advogado dele, Cezar Roberto Bitencourt, já deu o caminho das pedras. Ele alegou que, enquanto militar, o ex-ajudante de ordens cumpria as determinações da cadeia de comando.

Entenda-se cadeia de comando, neste caso, por a obediência ao líder supremo das Forças Armadas de então, Jair Bolsonaro. Mas para isso valer, ele terá que apresentar muito mais que depoimentos, terá que entregar provas e caminhos de provas que indiquem a participação do então presidente nos casos. Até agora, pelo menos em relação ao que se sabe, o ex-presidente tem se livrado das acusações mais sérias. Na denúncia sobre articulação para grampear Moraes, feita pelo senador bolsonarista Marcos do Val, por exemplo, Bolsonaro teria ficado o tempo todo calado.

Até agora, nada foi tornado público sobre o conteúdo da possível delação. Sabe-se que foram mais de 24 horas de depoimentos prestados à Polícia Federal, quando ele teria dado detalhes sobre eventuais crimes cometidos por ele, sob o comando de superiores. Neste rol, certamente, entrará o presidente e outros militares. Mesmo que não saibamos o conteúdo e a forma, é possível deduzir que o material tem consistência, já que a Polícia Federal aceitou a proposta de delação. Caso ela seja homologada por Moraes, os elementos de prova poderão ser usados no curso da investigação.

Não é possível saber que benefícios poderão ser auferidos pelo tenente-coronel no futuro. Dificilmente, ele se livrará do cumprimento de alguma pena, mas os acordos poderão, por exemplo, livrar o pai, general Mauro Cesar Lourena Cid, e a mulher, Gabriela Santiago. Os benefícios serão proporcionais à oferta de caminhos que levem à punição de eventuais líderes das ações criminosas. Nestes casos, a gente até sabe como a coisa começa, mas o enredo completo e todas as suas implicações ainda serão escritos.