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A tragédia anunciada dos sites de apostas

O Jogo do Bicho talvez seja o maior exemplo de brasileirismo, já dizia o antropólogo, Roberto da Matta.

No campo das contravenções, sem dúvidas, há décadas, quase século, é a jogatina com animais o maior caso de “jeitinho brasileiro”.

Aquela mania nacional, oficialmente proibida, mas legitimada no hábito e confiança geral.

Afinal, me diga você, quem já viu alguém ganhar e não levar no “Bicho”? Mais fácil se registrar um calote na loteria federal, do que no tabuleiro!?!?

No imaginário popular o jogo ilegal goza de mais crédito que muitas intituições de Estado. E agora o país dos paradoxos resolveu institucionalizar de vez o crime.

Meu amigo, aqui já teve “familícia” presidencial, grita o cambista.

Segue o jogo.

Há tempos, estava óbvio a qualquer um, a anomalia que representava a ostensiva atuação das empresas de apostas no mercado do futebol brasileiro.

Todos, absolutamente todos os campeonatos são patrocinados por sites desta natureza. A mim sempre pareceu levar as raposas ao galinheiro.

Isso restrito a parte da organização das competições: federações estaduais e a máxima CBF.

Há inclusive uma briga conceitual e contratual em curso da Confederação Brasileira de Futebol com os 20 clubes da série B para estampar marca da patrocinadora da competição.

Os times resistem pois cada um dos 20 tem seus próprios patrocinadores. Ou seja, evidencia-se o tamanho da relevância desta atividade que sobrevive da exploração do jogo.

Sim, senhoras e senhores da bola, cada um dos 40 clubes da primeira e segunda divisão tem entre, ou como principais patrocínios, sites de apostas.

Literalmente, o mercado especulativo, de projeção de resultados financiando o campo de jogo.

Mais que isso, atletas, os agentes do jogo, ex-profissionais e jogadores ainda em atuação sendo patrocinados e fazendo às vezes de garotos propaganda das empresas.

Não sei o que pode ser mais contraditório, ou arriscado.

Com todo este cenário já estabelecido, apenas “de repentemente” as apostas esportivas viraram ameaça real ao futebol brasileiro.

Uma espécie de tragédia anunciada ignorada por anos.

Obviamente, as denúncias não envolvem diretamente as empresas de apostas, mas sim apostadores avulsos, ou organizados em verdadeiras quadrilhas.

Mas quem garante que não ocorrerá, ou já ocorre participação direta destas casas na manipulação de resultados.

Um “quebra a banca” programado.

Muito além desta hipótese especulada tem o real risco de uma mesma patrocinadora “bancar” vários clubes envolvidos em uma mesma competição.

E nem me venham lembrar de Coca-Cola e Caixa outrora- quando estampavam às vezes até 70% dos times envolvidos em um campeonato-, pois ambas não sobreviviam diretamente daquela atividade fim.

E esta possibilidade de manipulação direta nem é a questão central a crítica, ao controle total da imagem e direitos de exposição no futebol nacional por empresas de aposta esportivas.

O estímulo desenfreado com tamanha publicidade já colocou o Brasil no topo do ranking mundial de apostas, um mercado bilionário, que há coisa de uma década, de tão insignificante, sequer existia no país.

Muitos vão alegar que na Premier League, maior campeonato do mundo, é assim e tudo bem.

Primeiro, que Brasileirão não é a Premier League, segundo que o “Brasil não é para amadores”, nem é a Inglaterra.

Com tamanha rede financeira e de adeptos estruturada ao largo de qualquer controle de Estado fica difícil, muito mais difícil se estabelecer as amarras necessárias.

Se o conflito de interesses entre as partes era latente na origem de tudo, agora a coisa embaralhou de vez, com a real dependência do futebol nacional moderno as cifras milionárias injetadas, oficial e aparentemente, legalmente no esporte.

Todas as decisões passarão efetivamente pela defesa dos interesses dos patrocinadores máster.

Se tornaram parte atuante no processo decisório e com atores escalados para a ampla defesa do que lhes apetece.

Em resumo, o fenômeno do mercado de apostas não é brasileiro, sequer detemos a exclusividade de escândalos em manipulação de resultados (a Itália que o diga), mas sem ação efetiva de controle e punição severa a envolvidos já, perderemos o controle da bola de vez.

Com nossa vocação natural para a coisa e um terreno fértil assim sedimentado, logo seremos os donos do jogo… da fraude.

Texto: Marcos Thomaz
Foto: Freepik-