Capitais do Nordeste temem avalanche de infectados do interior com Covid-19
O comitê científico do Consórcio Nordeste, que assessora as decisões dos governadores da região durante a pandemia, teme uma avalanche de casos de pacientes com Covid-19 vindos do interior dos estados. O receio é que o aumento no número de infectados superlote as unidades de saúde dos grandes centros urbanos.
O alerta consta no nono boletim do comitê, que ainda não foi publicado e está sujeito a alterações. O documento indica uma possível nova sobrecarga no sistema hospitalar da região.
“Esse efeito bumerangue já começou. Você conhece o efeito do tsunami? A água sai da praia, todos pensam que estão salvos, e, de repente, vem uma baita onda. É o mesmo efeito”, explica o neurocientista Miguel Nicolelis, um dos coordenadores do comitê científico do Consórcio Nordeste.
O agravamento deve acontecer na medida em que os casos começam a se alastrar com maior rapidez nas pequenas cidades da região.
O movimento vem sendo registrado nos últimos dois meses. Em 15 de abril, havia 112 microrregiões nordestinas com menos de 50 casos confirmados. No dia 20 de junho, este número caiu para apenas seis microrregiões.
A interiorização crescente dos casos de Covid-19 se manifesta também nos valores de um dado chamado de fator de reprodução. Ele indica o número correspondente a quantas novas pessoas alguém com o vírus é capaz de infectar. O fator 1, por exemplo, significa que cada doente contamina, em média, mais uma pessoa. Cidades do interior registram um valor muito mais alto do que as capitais.
Os dados das secretarias estaduais de saúde apontam na mesma direção. Capitais como Recife e Salvador, por exemplo, tiveram nas últimas semanas uma maior demanda na ocupação de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) por doentes de outras cidades.
No Recife, que experimenta queda dos casos do novo coronavírus há 45 dias, 65% dos leitos de terapia intensiva da rede municipal são ocupadas por pessoas de municípios do interior.
Dos 169 pacientes que estavam internados nesta quarta-feira (2) em vagas de UTI da rede municipal do Recife, apenas 60 eram moradores da cidade. Só de Caruaru, no agreste pernambucano, havia 22 pacientes.
Fortaleza também vive um movimento de descompressão do sistema público de saúde e tem recebido, em média, 400 pacientes de cidades do interior toda semana. O número de transferências já foi maior, de acordo com o secretário de Saúde do Ceará, Dr. Cabeto. A média chegou a 500 por semana e foi reduzida com a expansão do número de leitos no interior, inclusive em cidades que sequer tinham UTI, caso de Itapipoca, Crateús, Icó e Limoeiro.
Salvador passa pelo momento mais crítico até agora durante a pandemia, com uma ocupação de 84% dos leitos para pacientes graves e também é pressionada pelo interior. Nesta quarta-feira (1º), quatro em cada dez pacientes de Covid-19 nas redes estadual e municipal da capital baiana vieram de outras cidades do estado.
Para reduzir o fluxo para a capital, o governo do estado tem ampliado a cobertura no interior para pacientes com o novo coronavírus. Foram abertos novos leitos de UTI em Feira de Santana, Juazeiro, Eunápolis e Valença.
Diante do cenário de avanço da Covid-19, o comitê do Consórcio Nordeste orienta decretar bloqueio total ou reverter de planos de afrouxamento do isolamento social em capitais e cidades do interior que estejam apresentando curvas crescentes de casos e óbitos e taxa de ocupação de UTI maior que 80%.
O documento recomenda o chamado lockdown nas cidades de Salvador, Feira de Santana, Teixeira de Freitas, na Bahia, além de Maceió (AL) e Aracaju (SE). Também é citado o município de Caruaru, que já colocou em prática uma quarentena mais rígida em razão do aumento de casos. Na versão final do documento, novos municípios vão ser incluídos.
“O problema de Salvador é que o número de leitos flutua rapidamente. Houve uma tentativa de fazer lockdown de bairros, mas não conseguiu bloquear”, diz Miguel Nicolelis.
O prefeito de Salvador ACM Neto (DEM), que nesta terça-feira (30) ampliou as medidas restritivas de fechamento do comércio por mais sete dias, criticou a pressão de empresários pela abertura das lojas.
“É impor que todo mundo continue em casa. Tomar medidas muito mais sérias e duras, essa é a realidade”, afirmou.
O comitê também recomenda instituição de barreiras sanitárias, bloqueios temporários de todo tráfego não essencial, além da criação de brigadas emergenciais de saúde em todos os estados nordestinos.
Análise dos dados referentes às capitais revelou que cidades que executaram o bloqueio total por períodos de duas a quatro semanas, a exemplo de São Luís, Fortaleza e Recife, experimentaram uma desaceleração importante, tanto nas curvas de casos como de óbitos.
De acordo com dados fornecidos pela Prefeitura do Recife, em abril, a capital registrou 3.723 casos -54% das ocorrências em Pernambuco.
No mês de maio, quando o Recife e outros quatro municípios da região metropolitana tiveram 15 dias de quarentena rígida, a cidade chegou a registrar 11.694 casos -42% do total de novos casos do estado. Nesse mês de junho, quando a capital teve 5.182 casos, o percentual caiu para 21%.
Na rede municipal, há 289 leitos de UTI ativos. A taxa de ocupação é de 58,4%. Com a diminuição dos casos, a prefeitura desativou nesta semana 210 leitos de enfermaria que tinham sido montados em quatro hospitais de campanha. Novos 24 leitos de UTI foram abertos.
“No mês de abril mais da metade dos casos de coronavírus eram de recifenses. Hoje, nós somos um a cada cinco casos no estado”, declarou o prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB).
Diário da Paraíba com Folha Press