Combater desnutrição e malária dos Yanomami é prioridade nº 1, diz secretário de saúde indígena
Combater a desnutrição e a malária que assolam a Terra Yanomami, maior reserva indígena do Brasil, é a prioridade número 1 do novo secretário de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, Weibe Tapeba, primeiro indígena a ocupar o cargo.
Localizado nos estados de Roraima e Amazonas, o território fica numa região que é alvo do garimpo ilegal desde a década de 1980, mas que se intensificou nos últimos anos, afetando cada vez mais a saúde dos Yanomami. O mercúrio usado na extração de ouro polui rios e contamina peixes, impactando a sua principal fonte de água e alimento.
Os indígenas têm sido assassinados pelos garimpeiros de forma direta, por causa de conflitos no local, mas também em resultado do garimpo: por causa de mercúrio no corpo, por falta de acesso à agua potável, por desnutrição etc. E entender essas complexidades é fundamental para que a secretaria estabeleça seus serviços com qualidade.
— Weibe Tapeba, secretário de Saúde Indígena (Sesai), em entrevista ao g1
Advogado e líder indígena cearense, o novo secretário da Sesai foi um dos nomes da lista tríplice enviada ao presidente Lula para chefiar o Ministério dos Povos Indígenas, que acabou ficando com Sônia Guajajara.
Em entrevista ao g1, Tapeba disse ainda que:
- Vai retomar os investimentos da secretaria em saneamento básico em territórios indígenas pelo país;
- Pretende dimensionar os fluxos de assistência em terras indígenas não homologadas – revogando uma medida administrativa que impedia o investimento da Sesai nessas regiões;
- Irá disponibilizar dados recentes e atualizados de desnutrição, malária e outras enfermidades que atingem o povo Yanomami (antes mantidos a sete chaves da sociedade civil e que só podiam ser acessados por servidores do Distrito Sanitário Especial Indígena do território); e
- Adotará um modelo de gestão que vai fortalecer uma maior participação de indígenas na administração de unidades de saúde.
Weibe Tapeba ressalta que a subnotificação mascara uma realidade ainda pior entre os indígenas. — Foto: Fabiane de Paula
Confira os planos da Secretaria de Saúde Indígena:
1. Território Yanomami
Em 2020, o primeiro ano da pandemia, o garimpo ilegal avançou 30% na Terra Yanomami.
Segundo relatório produzido pela Hutukara Associação Yanomami (HAY) e Associação Wanasseduume Ye’kwana (Seduume), a área total devastada pelo garimpo é de 2.400 hectares.
Weibe explica que a presença dos madeireiros e dos garimpeiros tem efetivado de forma generalizada a falta de assistência na saúde indígena.
Como mostrou o g1, muitas unidades de saúde estão desabastecidas de remédios e insumos básicos de saúde.
Consultório do posto de Surucucu, na Terra Yanomami — Foto: Valéria Oliveira/g1
Segundo os dados mais recentes, na reserva vivem uma estimativa de 20 mil garimpeiros ilegais, contra pouco mais de 28 mil indígenas. Com a invasão do garimpo, os rios são contaminados e as florestas degradadas, o que afeta a saúde dos Yanomami, principalmente das crianças, que sofrem com a desnutrição por causa da escassez de alimentos.
Crianças Yanomami da comunidade Xaruna, às margens do Rio Parima, vizinha a um acampamento de garimpeiros ilegais — Foto: Valéria Oliveira/g1
Por isso, segundo o secretário, entre as medidas que devem ser tomadas para enfrentar o problema de saúde pública na região estão:
- Instalar um gabinete de crise para cuidar do tema;
- Decretar nos próximos dias Emergência Sanitária por Desassistência no território. Ele não deu, porém, detalhes da extensão da medida;
- Enviar a Força Nacional do Sistema Único de Saúde (FN-SUS) até a região para o abastecimento de medicamentos e insumos básicos de saúde.
A ideia da Força Nacional de Saúde é assegurar que esses insumos cheguem, pois no atual cenário as nossas equipes da Sesai se sentem inseguras e ameaçadas de desempenhar seu papel de assistência nas comunidades
— Weibe Tapeba
A Força de Saúde é um programa que foi criado em 2011 para execução de medidas de prevenção, assistência e repressão a situações epidemiológicas e emergências sanitárias. Ela é acionada quando a capacidade de resposta do estado ou de um município é esgotada.
“Já com o gabinete de crise, a ser instalado em Brasília, a intenção é que ele tenha a participação de indígenas, como o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI) dos Yanomamis, representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), para que a gente consiga formar uma instância de coordenação de estratégias especiais que estarão acontecendo nos próximos dias”, acrescenta.
2. Saneamento básico
O saneamento em comunidades indígenas é outra ação sob responsabilidade da Sesai. Como a secretaria coordena a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, a implementação de programas e projetos de saneamento de saúde indígena fica na sua alçada.
Na prática, porém, Weibe afirma que poucas políticas públicas avançaram nos últimos anos com relação à ampliação do saneamento em comunidades indígenas e destaca que vai retomar os investimentos da secretaria na área, fundamentais, na sua visão, para uma política efetiva de saúde pública.
Mas qual a relação do tema com a saúde pública?
- A desigualdade no acesso à saúde e ao saneamento tem consequências graves para os povos tradicionais.
- Um estudo recente da Fiocruz mostrou isso em números: de acordo com a publicação, que analisou os registros de nascimento de quase 20 milhões de crianças entre 2012 a 2018, as mortes por diarreia são 1.300% mais frequentes entre as crianças indígenas em relação às brancas.
- O desenvolvimento intelectual dessas crianças fica comprometido quando elas vivem em condições precárias de saneamento, passam fome e não têm acesso a cuidados de saúde.
3. Mais indígenas e proteção em terras não homologadas
Na área da gestão, Weibe defendeu uma maior participação de indígenas na administração de unidades de saúde.
“Nós vamos discutir com os Conselhos Distritais de Saúde Indígenas de todas as 34 regiões que a Sesai se organiza para reconstruir o modelo de gestão que fortaleça o controle social para que tenhamos mais indígenas atuando na administração dessas unidades”, afirmou.
Atualmente, segundo dados da própria Sesai, a secretaria conta com mais de 22 mil profissionais de saúde, sendo que destes, 52% são indígenas.
Além disso, o novo secretário garantiu que nos próximos dias, revogará uma medida administrativa que impedia o investimento da Sesai em áreas não homologadas.
Menino de 12 anos, pesando apenas 8 kg, foi resgatado com desnutrição grave na Terra Yanomami — Foto: Divulgação/Condisi-YY
4. Transparência
Como também mostrou o g1, a falta de transparência em relação aos dados de desnutrição, malária e outras enfermidades que atingem o povo Yanomami é um problema frequente.
Essas informações, de responsabilidade Sesai, não ficam disponíveis no site. Os dados são restritos a sistemas operados por servidores do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y), que respondem para a secretaria.
Weibe garantiu que, na sua gestão, irá disponibilizar dados recentes e atualizados dessas enfermidades no território.
“Nós temos um compromisso com a transparência, que é um princípio da administração pública, por isso, estaremos comprometidos com isso”, afirmou.
“E, para além da transparência, iremos aperfeiçoar o SIASI [sistema de tratamento de dados da Sesai que agrupa os dados epidemiológicos dos seus 34 distritos sanitários], para assim melhorarmos a gestão dos serviços a serem ofertados, algo importante, por exemplo, na questão do Covid. Em alguns territórios, ainda não sabemos o déficit de indígenas que não completaram seu esquema vacinal”.
Devastação causada pelo garimpo na região de Homoxi — Foto: Alexandro Pereira/Rede Amazônica
g1