Contar história estimula a alfabetização na quarentena

A quarentena imposta para  frear o avanço do novo coronavírus trouxe às escolas e às famílias a necessidade de fazer adaptações para dar continuidade ao ensino das crianças de maneira remota.

O desafio de orientar e interagir aumenta de acordo com diversos fatores, como a fase de ensino em que a criança está e as condições socioeconômicas de cada família. Os mais pobres sequer têm recursos que possibilitam o acesso às aulas.

De acordo com Sérgio Leite, ex-diretor da faculdade de educação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e professor titular aposentado da instituição, no início do processo é essencial que os pais entrem em contato com a escola para prosseguir em harmonia com o projeto de ensino que já estava sendo desenvolvido presencialmente.

“Minha orientação é que conversem com a coordenação para fazer algo na direção pedagógica da escola, senão tudo fica muito confuso. Os pais devem ter uma ideia de como os filhos estão sendo alfabetizados”, pondera.

Ensino lúdico facilita aprendizado

De acordo com ele, é ilusão achar que a sociedade está vivenciando uma experiência de ensino a distância durante a quarentena, pois esse modelo requer mais tempo de planejamento e diretrizes bem estabelecidas. “Ninguém está fazendo EaD, o que as pessoas estão fazendo são atividades não presenciais tipo online”, afirma.

Nesse contexto, um cronograma igual ao do ambiente escolar é impraticável. “Não é porque [a criança] tem 4 horas de aula na escola que ela deve ficar 4 horas em frente ao computador. Eles já se desconcentram na sala de aula, então é muito complicado querer que fiquem o tempo inteiro vendo uma tela”, analisa.

O especialista em psicologia educacional enfatiza que o papel dos pais é acompanhar o que está sendo feito e tirar dúvidas. “O ensino em casa deve ser feito de maneira tranquila, amorosa e afetiva. Não transforme esse estudo em uma atividade pesarosa. A criança aprende melhor numa condição lúdica”, aconselha.

No entanto, o professor reconhece que fazer um acompanhamento diário é inviável para pais que precisam trabalhar fora mesmo em meio à pandemia e muitos alunos sequer têm computador ou internet para acessar as aulas.

Contar histórias e brincar de escolinha

Em um contexto de boa infraestrutura, Leite pontua que a situação é mais desafiadora para pais que têm filhos entre 3 e 4 anos de idade, que ainda não estavam sendo alfabetizados na escola. Nesse caso, o importante é possibilitar alguma forma de contato com a escrita.

A narração de histórias – escritas ou orais – é o primeiro caminho a ser seguido para atingir esse objetivo, pois possibilita que a criança conheça a estrutura do texto por meio da oralidade.

O professor observa que contar histórias já é um ato lúdico, pois permite “associar um certo conteúdo a uma atividade de brincar”, de modo a estimular a imaginação e, consequentemente, uma conversa.

Isso tudo permite que a alfabetização seja feita a partir de palavras contextualizadas, o que melhora significativamente o aprendizado, de acordo com ele.

“Bons contadores de histórias devem manter a criança presa [à narração] e são excelentes alfabetizadores, porque quando esse processo começa, ela [criança] já tem ideia do que é o texto, de que ele não é igual ao modo como falamos”, ressalta.

“Brincar de escolinha” também é uma atividade muito efetiva, pois permite que a criança exercite a escrita de um jeito leve. “É importante deixar a criança se expressar da forma mais livre possível. Ela vai usar garrancho, rabiscos. É essencial ter prazer nessa fase de contato com a escrita, ouvindo histórias e brincando”, reitera.

Leite conta que ele próprio ensinou suas filhas a escrever usando uma lousinha de imã na qual era possível grudar letras. “A gente brincava de escolinha e era muito prazeroso para elas. Também comprei uma lousa e coloquei no quarto delas. Faziam o que queriam”, lembra.

“Assim o contato [com a escrita] passa a ser familiar, sem pressão. Até os 5 anos não vale a pena querer que a criança aprenda o domínio da escrita. A sistematização, geralmente é feita aos 7 anos”, completa.

O especialista diz que a tecnologia pode ser aliada no processo de alfabetização, mas não substitui a figura do professor, que é um mediador essencial durante a educação infantil.

 

Diário da Paraíba com R7