Deputada Federal Carla Zambelli saca arma e aponta para homem nos Jardins, em SP
A deputada federal reeleita Carla Zambelli (PL-SP), apoiadora do presidente Jair Bolsonaro (PL), sacou uma arma e apontou para um homem na tarde deste sábado no bairro nobre dos Jardins, em São Paulo. A deputada afirma ter sido hostilizada por “militantes de Lula”. As circunstâncias do conflito não são claras.
Em registros do ocorrido que estão circulando nas redes sociais, é possível ver uma discussão entre Zambelli e o jornalista Luan Araújo, um homem negro, na Alameda Lorena. O local fica a um quilômetro da Avenida Paulista, onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) realizava um ato de campanha neste sábado.
Araújo contou ao GLOBO que saía de um chá de bebê quando ouviu Carla Zambelli dizer “amanhã é Tarcísio”, em referência à possível eleição de Tarcísio de Freitas, candidato bolsonarista ao governo de São Paulo. Araújo disse ter xingado Zambelli nesse momento e defendido voto em Lula, e que a partir de então as pessoas que estavam com a deputada começaram a filmá-lo.
— No fim da discussão, eu disse “te amo, espanhola”, que é a frase do (senador) Omar Aziz na CPI da covid — afirmou.
Um vídeo mostra Zambelli se desequilibrar e cair nesse momento. Ela levanta rapidamente e corre atrás de Luan, junto com alguns de seus apoiadores. Um deles, que é branco, aparece com uma arma na mão. É possível identificar o som do disparo de uma arma de fogo, mas não há uma imagem do momento do tiro. Araújo é chutado por esse homem.
O apoiador de Lula segue pela Alameda Lorena até entrar num bar na mesma via. Na sequência, é possível ver a deputada chegando no local, com uma arma na mão.
Quando eu entrei no bar, eles quiseram me botar no chão como se fossem polícia, mas eles não são polícia, então eu obviamente não fui para o chão. Eles queriam que eu pedisse desculpa, aí eu pedi desculpa — disse Araújo.
Zambelli afirmou que almoçava com o filho de 14 anos no restaurante Kiichi, nos Jardins, quando foi agredida física e verbalmente por apoiadores de Lula na saída do local.
A diretora Executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, avalia que a reação de Zambelli foi ilegal e “desproporcional”:
— A ilegalidade está em uma parlamentar perseguindo um homem desarmado fugindo. É uma reação desproporcional, ainda que ela tivesse sido ameaçada ou xingada. Ela cometeu um crime porque foi uma ameaça com arma de fogo. Ela poderia ter sido presa em flagrante inclusive.
Questionada sobre a proibição de portar arma de fogo antes das eleições, Zambelli afirmou que não respeita decisão do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
— A resolução é ilegal e ordens ilegais não se cumprem — disse a deputada em entrevista a jornalistas depois do ocorrido.
O caso aconteceu nas vésperas do segundo turno da eleição presidencial. O TSE proibiu, em setembro, o transporte de armas por colecionador, atirador ou caçador (CAC) no dia das eleições, e também nas 24 horas anteriores e nas 24 horas seguintes ao dia da votação. Conforme a decisão, o “descumprimento da referida proibição acarretará a prisão em flagrante por porte ilegal de arma sem prejuízo do crime eleitoral correspondente”.
A partir de informações preliminares logo após as primeiras imagens terem sido divulgadas, Renato Ribeiro de Almeida, advogado e coordenador acadêmico da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, avaliou que Zambelli pode ter ferido a decisão.
— Além da clara violação ao artigo, as circunstâncias fáticas do ocorrido precisam ser esclarecidas. A parlamentar pode, em tese, sofrer sanções por quebra de decoro parlamentar que, em último caso pode até mesmo levar à cassação do mandato — diz o advogado especialista em Direito Eleitoral.
A deputada disse ainda à imprensa não ter registro de CAC, afirmando ter “porte federal”. A Polícia Federal afirmou “não fornece informações pessoais”.
A assessoria de imprensa de Zambelli disse, em nota imitida no início da noite, que ela “possui registro de arma de fogo para defesa pessoal”. No comunicado, a assessoria admite que a deputada “caiu no chão”, negando que ela tenha sido empurrada, como havia dito inicialmente.
A Polícia Militar afirmou, em nota, que o caso será apresentado ao 78º Distrito Policial, dos Jardins, para registro do boletim de ocorrência e “devidas providências de polícia judiciária”.
Relato de Zambelli
A deputada bolsonarista publicou um vídeo em seu Instagram em que afirma ter sido agredida verbalmente e cuspida pelo homem negro. Ela disse ter pedido para ele esperar ela chamar a polícia e “dar flagrante”. Zambelli declarou que correu atrás dele com uma arma pois ele “evadiu”.
— Me empurraram, até me machucaram aqui, me empurraram no chão, me chamaram de filha da puta, de prostituta, mandaram eu tomar no .., ele me cuspiu várias vezes. Quando ele me empurrou, eu caí, eu saí correndo atrás dele, falei que ia chamar a polícia, que ele tinha que ficar aqui para esperar a polícia chegar. E aí ele se evadiu, eu saquei a arma e saí correndo atrás dele, pedindo para ele parar. Ele ficou com medo, parou dentro de um bar, pedi para ele esperar porque eu ia chamar a polícia e dar flagrante. Ele começou a pedir desculpa. Acabamos de filmar o pedido de desculpas, eu falei: tá bom, você pediu desculpas, pode ir. Ele começou a fazer de novo — relatou a parlamentar ao lado de polícias.
Em vídeo de quase quatro minutos, Zambelli ainda afirma que teve seu número tornado público ontem e diz que passou a receber ameaças de morte.
Testemunhas que estavam em um bar na esquina da Alameda Lorena com a Rua Joaquim Eugênio de Lima ouviram dois disparos no momento da confusão. Na sequência, o homem negro entrou correndo dentro do estabelecimento, seguido pela deputada federal.
Segundo dois rapazes que estavam em uma mesa, ela entrou com a arma apontada dizendo “Só vou te liberar se pedir desculpa”, além de repetir “Deita no chão”. Em determinado momento, o homem negro levantou as mãos para o alto, pediu desculpa e deixou o local. Zambelli teria então dito que só “não o prenderia porque hoje não é permitido”, em alusão à lei eleitoral em vigência.
O Globo