Inseguro sobre conceito, STF começa a julgar se existe direito a esquecimento

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) — O STF (Supremo Tribunal Federal) julgará nesta quarta-feira (3) se existe no Brasil o chamado direito ao esquecimento.

A corte decidirá se a Justiça pode proibir que um fato antigo seja exposto ao público em respeito à privacidade e à intimidade da pessoa envolvida — ou se um veto configuraria censura e violaria a liberdade de expressão.

O tema é considerado um dos mais relevantes a ser deliberado pelo STF nos últimos anos porque estabelecerá um precedente importante em relação à atividade da imprensa e aos limites do direito à informação e do direito à personalidade dos cidadãos.

Por causa da complexidade do assunto, no entanto, não está descartado que algum ministro apresente pedido de vista para ter mais tempo para estudar o processo.

O julgamento já teve data marcada mais de uma vez, sempre retirado de pauta por falta de consenso mínimo.

Um dos temores revelados por ministros do Supremo é que eventual declaração de existência do direito ao esquecimento no Brasil passe a servir para situações distintas e abra brecha para a censura.

Isso torna o julgamento ainda mais difícil, pois o resultado vai balizar discussões judiciais com objetos variados.

Os processos vão desde a correção, remoção ou alteração de uma informação até a solicitação para exclusão de conteúdo em buscadores de internet ou o veto à menção de determinada pessoa em reportagens e documentos.

Parte dos ministros já defendeu nos bastidores que é mais correto o STF rejeitar o recurso para evitar risco de aplicação equivocada por juízes Brasil afora.

Do outro lado, há quem defenda que o direito à intimidade não pode ser deixado em segundo plano e que também seria arriscado permitir a eternização das informações.

Assim, a definição de um conceito com critérios claros para analisar situações concretas poderia ser uma saída.

A discussão ocorrerá em um recurso com repercussão geral reconhecida, ou seja, valerá para todos os processos em curso no país sobre o tema.

Ao STF, a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e a Aner (Associação Nacional de Editores de Revista) afirmaram que o reconhecimento do direito ao esquecimento poderia causar proliferação de ações de danos morais e desestimular os meios de comunicação a exercer a liberdade de expressão.

O caso concreto a ser analisado é um recurso movido por irmãos de Aída Curi, assassinada em 1958 no Rio.

O programa Linha Direta, da TV Globo, exibiu, 50 anos depois, um episódio em que reconstituiu o crime.

Os familiares dela, que foi violentada e assassinada e cujo caso foi amplamente divulgado pela imprensa à época, pedem indenização ao canal. Perderam a causa em todas as instâncias antes de chegar ao STF.

Em 2017, a corte fez uma audiência pública sobre o tema, e os ministros reconheceram a complexidade do assunto.

Então presidente da corte, a ministra Cármen Lúcia destacou se tratar de uma pauta sensível que permeia “todos os direitos fundamentais” previstos na Constituição.

Na ocasião, Dias Toffoli, que é relator da matéria e será o primeiro a apresentar o voto nesta quarta, não antecipou sua posição, mas destacou que os familiares relataram ter sofrido um massacre da imprensa na época e que teriam ficado estigmatizados por isso.

No processo, a Globo afirmou que o conteúdo se limitou a fatos públicos e históricos e que grande parte do programa foi composta por arquivos da época, além de material de livros sobre o caso.

A empresa sustentou que é direito de todos o acesso à história e que os direitos de imagem não se sobrepõem ao direito coletivo da sociedade de ter acesso a fatos históricos.

No STJ (Superior Tribunal de Justiça), a corte reconheceu a existência do direito ao esquecimento, mas ressaltou que no caso de Aída o crime foi reconstituído por atores e apenas uma foto do crime foi veiculada.

O relator no STJ, ministro Luís Felipe Salomão, afirmou na ocasião que a imagem da vítima “não constituiu um chamariz de audiência”. Apesar disso, reconheceu o direito ao esquecimento. Fez uma comparação com pessoas que foram condenadas e, depois, absolvidas.

“No que concerne ao confronto entre o direito de informação e o direito ao esquecimento dos condenados e dos absolvidos em processo criminal, a doutrina não vacila em dar prevalência, em regra, ao último”, disse.

Segundo o ministro, conceder esse direito a condenados que “cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal” sinaliza uma evolução humanitária e cultural da sociedade.

O ministro sustentou que “entre a memória – que é a conexão do presente com o passado – e a esperança – que é o vínculo do futuro com o presente”, o ordenamento jurídico brasileiro prioriza a segunda opção.

FOLHAPRESS