MPF pede R$ 1 milhão por danos morais após vacinação irregular de crianças com doses de adultos para Prefeitura de Lucena, prefeito e técnica de enfermagem
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, contra a Prefeitura de Lucena, o prefeito Leo Bandeira e a técnica de Enfermagem que aplicou vacinas contra Covid-19 em crianças, por dano moral coletivo após as falhas na imunização. O MPF requer pedido formal de desculpas e R$ 1 milhão, a ser pago pelos três demandados.
A denúncia do erro da vacinação em crianças foi obtida em primeira mão e feita por Fernanda Lira, em publicação nas redes sociais no dia 14 de janeiro.
Na ação, o MPF pleiteia à Justiça, também, que a prefeitura, no prazo máximo de cinco dias, apresente plano de nova vacinação das pessoas que foram imunizadas com doses fora da validade, indicando datas previstas de início e término, bem como planejamento de busca ativa, dando-lhe imediato cumprimento e comprovando a sua implementação. Requer, ainda, que, caso a Prefeitura de Lucena não apresente o plano de revacinação, que a União, em cinco dias, assuma as ações relacionadas com a execução do programa de imunização no município, tendo em vista se tratar de uma situação de urgência, conforme autoriza o § 1º do artigo 3º da Lei 6.259/75.
De acordo com as investigações, há um dano estimado aos cofres públicos de R$ 150 mil, considerando o valor das vacinas “perdidas”, que gira em torno dos 12 dólares (a unidade de imunizante), conforme levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU).
Suspensão de exercício profissional
O Ministério Público Federal quer, também, que o Conselho Regional de Enfermagem da Paraíba (Coren-PB) suspenda, temporariamente, o exercício profissional da técnica de enfermagem enquanto são finalizadas apurações de denúncia em tramitação no Departamento de Processo Ético do conselho. Para o MPF, esta é “uma medida necessária para a prevenção de situações semelhantes como as ocorridas no município de Lucena, especialmente levando-se em conta o risco de reiteração da prática; a gravidade da infração ética, em especial para a população de alto risco neste momento da pandemia; a repercussão social do fato; e o elevado clamor social, público e popular”.
Inadequação vacinal
As investigações que resultaram a propositura da ação iniciaram a partir de inadequação vacinal constatada em 49 crianças (sendo 36 com prazo de validade vencido) de dois assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) localizados em Lucena. A despeito de os imunizantes infantis terem sido disponibilizados apenas a partir do dia 14/01/2022, o município decidiu iniciar a imunização do público infantil nos dias 21/12/2021 e 07/01/2022, com as doses da vacina destinadas ao público adulto, tendo parcela desse público infantojuvenil recebido doses com a validade expirada em função da temperatura.
Ademais, de acordo com relatório da Secretaria de Estado da Saúde (SES-PB), foi constatado que ao menos 880 adolescentes e adultos em Lucena foram imunizados de forma inadequada com doses de Pfizer vencidas.
Ainda segundo o Ministério Público na ação, tem-se um contingente relevante de pessoas que, a despeito de terem sido vacinadas, podem não ter a proteção necessária, haja vista que todas as vacinas dos lotes identificados pela SES, aplicadas fora do prazo limite de validade por temperatura, são consideradas inválidas, conforme indicado pela Secretaria de Estado da Saúde.
“Com isso, é necessário que a gestão municipal avalie cada situação, convocando a população para esclarecimentos, orientações e fortalecimento da vacinação para efetivação do processo de imunização. Todavia, até o momento, o município não apresentou nenhum planejamento nesse sentido. A bem da verdade, quase que a totalidade dos esforços na busca de esclarecimentos dos fatos foram efetuados pela Secretaria de Saúde do Estado, não tendo o município demonstrado o interesse necessário a solucionar as problemáticas, não à toa incorreu em todas as irregularidades descritas, as quais implicaram em gravames a um número considerável de pessoas”, acrescentam os procuradores que assinam a ação – Janaina Andrade e Guilherme Ferraz.
Os membros do MP reforçam que irregularidades na campanha de vacinação em Lucena não se limitaram ao período de dezembro de 2021 a janeiro de 2022. Complementam informando que “desde meados do segundo semestre de 2021, tem sido observadas falhas na execução da política pública em comento na localidade, bastando, para tanto, analisar o relatório de fiscalização elaborado pela Procuradoria da República na Paraíba, em setembro do ano passado, no qual já se apontavam falhas nesse processo, a exemplo do acondicionamento inadequado dos imunizantes”.
TAC’s
Antes de ajuizar ação contra o prefeito e a profissional de saúde, o MPF tentou firmar termo de ajustamento de conduta (TAC) com os demandados, que não aceitaram proposta de acordo do Ministério Público. A legislação e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) permitem e estimulam que haja TACs entre o Ministério Público e as partes. Tais acordos não implicam reconhecimento de culpa ou de responsabilidade pelo compromissário, significando, por outro lado, um comprometimento com a responsabilidade social em contribuir para ações assistenciais e de saúde durante o atual momento de crise sanitária, prestando-se, assim, homenagem à Justiça Consensual em favor de soluções mais ágeis e úteis ao interesse público.
Pedido de desculpas
Por fim, o MPF solicita na ação ajuizada pedido formal de desculpas pelo Município de Lucena, tendo por base o artigo 1o, caput, e incisos I e III da Resolução no 225/2016: “no próprio conceito normativo de Justiça Restaurativa, a ideia de que a Justiça Restaurativa envolve a corresponsabilidade individual e coletiva, para fins de se entender as causas estruturais do conflito e as necessidades daí advindas, possibilitar a reparação dos danos – a partir da responsabilização ativa dos responsáveis e corresponsáveis – e, ainda, recompor as relações interpessoais e sociais esgarçadas”.
Fiscalização
Nesta quarta-feira (23), uma equipe do Ministério Público Federal se fez presente, mais uma vez, em Lucena, para acompanhar a vacinação de crianças de 5 a 11 anos que foram imunizadas de forma inadequada. Segundo a procuradora regional dos Direitos do Cidadão, Janaina Andrade, houve baixa adesão, em razão do medo que acomete as mães. “Embora tenha havido reuniões do MPF e a gerente- executiva de Vigilância Epidemiológica da Paraíba, Talita Tavares, com as mães dos assentamentos, colocando a importância da vacinação, houve resistência por parte de algumas”, disse Janaina. A ação desta quarta teve por objetivo principal complementar o ciclo vacinal das 14 crianças do Assentamento Estiva do Geraldo, que receberam doses de adulto no dia 21 de dezembro passado. No entanto, apenas seis aceitaram tomar a vacina.
Também foram disponibilizadas no Assentamento Outeiro de Miranda doses para o início do ciclo vacinal do restante das crianças que não tomaram vacina no último dia 9 – aquelas que foram imunizadas indevidamente com doses de adultos e vencidas, no dia 7 de janeiro. Há previsão que, neste assentamento, no próximo dia 9 de março, a SES, a pedido do MPF, acompanhe novamente a vacinação de crianças para o fechamento do ciclo vacinal.
Eficácia das vacinas
Janaina Andrade reforça que as crianças vacinadas indevidamente, com doses para adultos, não tiveram reações graves, de acordo com avaliação das equipes técnicas da Secretaria de Estado da Saúde (SES) e Ministério da Saúde. Ela ressalta que as vacinas têm eficácia contra as formas graves da covid-19 e conclama os pais de todo o estado a levarem seus filhos aos postos de vacinação. “O fato ocorrido em Lucena foi um erro de vacinação isolado e não representa falta de segurança dos imunizantes”, lembra a procuradora do Ministério Público Federal, enfatizando que “além da segurança e eficácia da vacina já comprovadas por órgãos sanitários, os dados indicam que grande parte das pessoas que estão internadas com quadros graves é porque não estão vacinadas ou estão com o ciclo de imunização incompleto”.
Diário da Paraíba com MPF-PB