Não é uma questão de priorizar o pecado e condenar a oração, mas de ser sensível ao problema do outro
Alguns religiosos se levantaram contra o decreto que suspende missas, cultos e celebrações religiosas. Na argumentação, questionam a abertura parcial de bares e restaurantes até as 16 horas. Criam uma dicotomia nociva, na seguinte linha de: “estão priorizando a bebedeira, o pecado e proibindo a oração, a limpeza espiritual”.
Vamos ao óbvio. A suspensão que atinge as celebrações religiosas é apenas para evitar mais deslocamentos, possíveis aglomerações, contatos, uma, duas contaminações a mais que podem acontecer na calçada, nos corredores dos condomínios, no elevador, na cantoria eufórica, na displicência dos encontros.
Ninguém está dizendo que a Igreja aglomera mais do que os bares. Nem que um é melhor do que o outro. Nem que os templos religiosos não seguem protocolos. Mesmo sabendo que alguns não são tão rigorosos, como também acontecem com os bares e restaurantes.
A questão é: durante 15 dias de igrejas fechadas, com celebrações presenciais suspensas (com menos possibilidade de contaminação), ninguém perde o emprego, ninguém corre o risco de passar fome, de não dar comida ao filho, de pedir esmolas, de ter a conta de energia cortada, de não ter dinheiro para comprar o gás. A Arquidiocese da PB entendeu o recado antes mesmo do decreto e suspendeu as missas. Outros líderes religiosos deveriam ter feito isso.
A redução do horário de bares e restaurantes e não o fechamento, como aconteceu com as igrejas, é apenas para diminuir a quantidade de pessoas que serão demitidas, que ficarão sem auxílio. Diminuir a quantidade de pessoas que vão precisar de dinheiro para “alimentar o corpo”.
Os cristãos deveriam se orgulhar de contribuir com a manutenção de empregos, com a alimentação do próximo, sensibilizar-se com a situação financeira do outro, rezando ou orando em casa. Afinal, Deus disse: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18,20). O decreto não determina suspensão da fé por 15 dias.
E antes que venham os “cancelamentos”, deixamos claro que não somos ateus, somos cristãos e nos orgulhamos de saber que nossa oração em casa, com a família, ou a ajuda espiritual a alguém, por telefone, por videoconferência, pelas redes sociais, significa o emprego mantido de uma faxineira, do garçom, do ajudante de cozinha, dos bares e restaurantes que, vale ressaltar, não vendem apenas bebidas alcoólicas. Por trás, tem toda uma cadeia produtiva, que gera centenas de emprego.
Esses estabelecimentos abertos, mesmo que em um tempo curto, com toda fiscalização e compromisso dos donos, pode evitar o aumento da desigualdade que a própria Igreja, com ações maravilhosas, luta há dezenas de anos para diminuir.
Então, vamos parar com essa guerra discursiva que não leva a lugar nenhum. Vamos pedir fiscalização, conscientização das pessoas, porque a vida real e caótica já se instalou em leitos de hospitais privados e públicos, todos lotados. Basta conversar com qualquer profissional de saúde para entender o momento terrível que vivemos.
Ser cristão é pensar no outro, é amar ao próximo, mesmo que isso signifique abrir mão de uma vontade própria.
G1PB