TEORIA DA IMPREVISÃO: BREVES CONSIDERAÇÕES

Conhecida como cláusula implícita (Bartola), lesão superveniente (Mantica) ou pressuposição de vontade condicionada (Wendeschid).

A razão do surgimento se deve ao fato de que a consciência de todo o homem reflete postula a exigência de um princípio regular, superior às contingências, que se encarrega de definir a harmonia social.

Como manifestado no código civil em seu artigo 112 (autonomia da vontade prevalece sobre o sentido da linguagem)

Art. 112 (CC/02): “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.

Comentário: A parte primordial do negócio jurídico é a declaração de vontade e essa vontade precisa ser esclarecida, interpretada, para que possa fixar o real conteúdo do negócio. O dispositivo deste artigo vem afirmar que quando o intérprete do ato negocial for analisá-la, deverá ater-se não ao exame literal ou restritamente a seus termos, mas sim fixar-se na vontade, procurar suas consequência jurídicas, indagando a intenção dos contratantes, sem se prender ao sentido linguístico do ato negocial. Então, caberá ao intérprete investigar a real intenção dos contratantes, já que a declaração de vontade somente terá a real intenção dos contratantes, já que a declaração de vontade somente terá significado se realmente a vontade existe, pois o que importa é a vontade real e não declarada. Nesse sentido, é o entendimento do STJ: Avalista. A palavra avalista, constante do instrumento contratual, dever ser entendida em consonância com o CC/1916, art. 85 (art. 112 CC/02), como coobrigado, co-devedor ou garante solidário. [RSTJ 140/257].

Definição da teoria da imprevisão segundo o Dicionário jurídico Marcos Acquaviva: “Teoria que afirma a possibilidade de alteração das cláusulas de contratos celebradas entre particulares ou entre estes e a administração pública, a fim de ajustá-las a situações imprevisíveis supervenientes. Invoca-se, a notória cláusula rebus sic stantibus ou cláusula de imprevisão se tornar excessivamente oneroso para um dos contratantes, em razão de circunstâncias supervenientes à avença, a cláusula poderá ser rescindida. O CC brasileiro no princípio da função social dos contratos (art. 421), reconhece a teoria da imprevisão no art. 478”.

Noções básicas sobre Contratos

O contrato é definido por Maria Helena Diniz: “Como o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesse entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial“.

Os contratos criam vínculos obrigacionais entre as partes, pacta sunt servanda. Se assim não fosse, o direito contratual seria sucumbido ao regime anárquico e caótico (VENOSA, 2009. P. 366). Porém essa rigidez, que é necessária para manter a força do acordo de vontades, pode criar o império da injustiça e do desequilíbrio contratual (FIUZA, 1999, p. 10) se for abordada sem flexibilidade.

Assim sendo, o legislador atentou para a definição mais moderna da função do contrato, que não é a de exclusivamente atender aos interesses das partes contratantes (…), hoje o contrato é visto como parte de uma realidade maior e como um dos fatores de alteração da realidade social (PEREIRA, 2006, p. 13).

Segundo Pablo Stolze (2010), concernente aos contratos os princípios são:

  • Autonomia da vontade;
  • Força obrigatória do contrato;
  • Relatividade subjetiva dos efeitos do contrato;
  • Função social do contrato;
  • Boa-fé objetiva;
  • Equivalência material

Humberto Theodoro Júnior (2001. P. 65): “O contrato obriga com força de lei, mas se curva diante do ideal de justiça que se acha implícito em qualquer ordenamento jurídico do mundo civilizado”.

Dessa forma, o contrato possui uma função social e da boa-fé objetiva, e é isso que a teoria da imprevisão busca resguardar.

A teoria da Imprevisão

A teoria da imprevisão possui suas origens marcadas na pedra do código de Hammurabi, em que se admitia a imprevisão das colheitas. O direito Romano apenas a aplicou. Permaneceu dormente por séculos, e ressurgiu na 1ª guerra mundial (1914-1918) que gerou diversas instabilidades econômicas, tendo surgido inclusive leis como a Failliot (França, 1918) que autorizou a resolução dos contratos concluídos antes da guerra, porque sua execução acabou se tornando muito onerosa. No Brasil, a teoria da imprevisão foi aplicada pela primeira vez apenas nos anos 30, pelo Ministro NELSON HUNGRIA.

A teoria da imprevisão está descrita no código civil nos artigo 478, 479 e 480.

Seção IV – Da Resolução por Onerosidade Excessiva

“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

Comentário: Considera-se a onerosidade excessiva quando um acontecimento extraordinário e imprevisível dificulta, abusivamente, o cumprimento da obrigação de umas das partes contratantes, na qual poderá pedir a resolução do contrato. Quando a celebração do contrato, as partes, tem como base as condições econômicas e sociais da época, valendo de fonte, também, as várias possibilidades de previsões futuras. Porém, diversos fatores imprevisíveis podem ocorrer e poderá desequilibrar a relação contratual, tornando excessivamente onerosa a prestação para uma das partes e extremamente favorável para a outra parte. Dessa forma, poderá o devedor requerer a resolução do contrato por onerosidade excessiva. O juiz, quando for analisar a resolução do contrato por onerosidade excessiva, deverá apreciar os seguintes requisitos: A) O contrato comutativo seja de execução continuada; b) que ocorra a alteração radical das condições econômicas quando da execução do contrato em comparação ao momento da formação; c) que a prestação se torne excessivamente onerosa para uma das partes contratantes e, concomitantemente, ocorra benefício exagerado por uma das partes, d) que a mudança seja em função de requisitos extraordinário e imprevisível.

Sobre o artigo 478, temos os enunciados ns. 175, 176, 365 e 366 do CEJ do CJF.

175 – Art. 478: A menção à imprevisibilidade e à extraordinariedade, insertas no art. 478 do Código Civil, deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em relação às consequências que ele produz.

176 – Art. 478: Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.

365 – Art. 478. A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração das circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena.

366 – Art. 478: O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação.

“Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato”.

Comentário: Este artigo traz a possibilidade da modificação da cláusula contratual quando observada a onerosidade excessiva. Ajuizada a ação de resolução contratual, poderá o réu oferecer-se para modificar equitativamente a cláusula que se mostrou onerosa, modificando-a com o objetivo de proporcionar maior concretude e equidade com a realidade socioeconômica, mantendo o contrato. Destarte, a iniciativa voluntária do réu (credor) que concorda em alterar tal cláusula, soluciona uma alteração menos onerosa para o devedor, preservando, desse modo, o contrato. As prestações cumpridas antes do ajuizamento da ação da resolução contratual não podem ser revista, e as prestações efetuadas ou recebidas no curso do processo estarão sujeitas à modificação na execução da sentença que for prolatada.

Enunciado n. 367 do CEJ DO CJ – Art. 479: Em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo equitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada sua vontade e observado o contraditório.

“Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterada o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.”

Comentário: De acordo com seu dispositivo legal, quando o contrato atribuir uma obrigação apenas para uma das partes e houver risco de ocorrer onerosidade excessiva, o obrigado poderá pleitear em juízo que sua prestação seja reduzida ou que se altere o modo de executá-la, evitando a onerosidade excessiva e garantindo o equilíbrio contratual. Trata-se de um contrato unilateral, pois as obrigações estipuladas são exigidas de uma das partes contratantes, a qual a figura do polo passivo da relação, e a revisão judicial são para evitar a onerosidade excessiva superveniente à contratação. Nesse contrato, verifica-se a ausência da antítese formada pelo contrato bilateral, na qual uma das partes possui onerosidade excessiva, e a outra uma vantagem demasiadamente desequilibrada. Na verdade, no artigo presente, o que se mostra é um contrato unilateral e que a onerosidade excessiva apenas é suportada pelo devedor, a quem cabe as obrigações. Logo, trata-se de fundamentos baseados nos princípios da comutatividade, da boa-fé., da equidade e da justiça.

Conclusão

A Teoria da imprevisão busca evitar o desequilíbrio contratual, através da equidade, justiça, princípios da comutatividade e da boa-fé. A equalização do contrato, beneficiando as duas partes. Uma forma de se evitar as injustiças que surgem de mudanças sociais e econômicas.

É importante observar, que um contrato não atinge sua função social quando uma das partes se enriquece de maneira desigual, enquanto a outra decai patrimonialmente em razão de fatores completamente alheios a sua vontade. Não pode o direito, ignorar essas situações, visto que o sofrimento econômico traz como consequência sofrimentos que ultrapassam a coisa material e atingem a dignidade do ser humano.

 

Olavo Rodrigues com Diário da Paraíba