Tradição secular: Famílias políticas acirram disputas por prefeituras paraibanas e especialista vê ‘exagerado’ familismo no Estado
“Os estados mais industrializados, urbanizados, desenvolvidos, onde há um maior pluralismo político, onde há concorrência mais intensa de diversos agrupamentos políticos, a tendência do familismo é menor”, disse.
Apesar das mudanças sociais e de sistema de governo, o familismo em disputas eleitorais é algo ainda não superado, principalmente nos estados e municípios brasileiros considerados menos desenvolvidos. Nesses locais, há um maior controle dos partidos políticos por grupos familiares ou de parentelas. Apesar disso acontecer em todo o País, na Paraíba, a situação é considerada ‘exagerada’, segundo informou o cientista político e professor da pós-graduação do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), José Henrique Artigas Godoy, em entrevista pelo ClickPB. No pleito eleitoral deste ano, por exemplo, há diversos exemplos de agrupamentos familiares nessa disputa pelo domínio de prefeituras paraibanas.
No município do Congo, no Cariri Ocidental da Paraíba, que tem uma população estimada em 4.787 habitantes (conforme IBGE, 2020), é um exemplo de famílias que disputam cargos majoritários. Um dos candidatos à prefeito da cidade tem como vice, a esposa. Além dois dois, cinco pessoas dessa mesma família disputam vagas na Câmara Municipal de Vereadores (que ao todo tem nove cadeiras). Em Monteiro, na mesma região, filha e mãe (que já é uma deputada federal) disputam na mesma chapa como prefeita e vice, respectivamente. O pai da candidata à prefeita é deputado estadual na Paraíba. A chapa concorre contra o grupo político de uma ex-cunhada.
Esses exemplos, porém, não se restringem a esses dois municípios. Neste ano eleitoral ainda há representantes de famílias em disputas pelas prefeituras de Campina Grande, João Pessoa, Bayeux, Santa Rita, entre outras cidades. Segundo o cientista político José Henrique Artigas Godoy, famílias no poder é reflexo de uma história secular na Paraíba. “A Paraíba jamais superou o familismo político. Se nós lembrarmos das duas últimas eleições para deputado federal, todos os candidatos provinham de famílias tradicionais da órbita da política”, observou.
Para o cientista político, o familismo sempre foi a regra. “Há uma larguíssima tradição, uma secular tradição oligárquica aqui na Paraíba. Isso tem a ver com uma série de fatores conjunturais. Na Paraíba é um caso exagerado em comparação a outros locais”, analisou. Em uma pesquisa realizada por cientistas da UNB, publicada no ano passado, que levou em consideração a formação das bancadas parlamentares de 2018, mostrou que há uma forte tendência de crescimento do número de políticos ligados às famílias tradicionais eleitos em função de suas ligações familiares.
“Isso supera 60% de todos os deputados apresentados no País. O problema maior não é ser de família de políticos porque já é um problema histórico, mas o problema maior é que essa proporção vem aumentando. Isso tem muito a ver, no caso dos estados periféricos, dos estados menos desenvolvidos, com o controle das estruturas partidárias. Os estados mais industrializados, urbanizados, desenvolvidos, onde há um maior pluralismo político, onde há concorrência mais intensa de diversos agrupamentos políticos, a tendência do familismo é menor”, afirmou ao ClickPB, acrescentando que nos estados menos desenvolvimentos economicamente e socialmente, com menor renda e escolarização, a tendência familística é maior.
Como exemplo de menor controle de famílias por partidos, o cientista político citou o caso do Estado de São Paulo, sem apontar partidos. “Possui uma burocracia em constante conflito e disputa. Portanto, não podemos falar que em São Paulo existe partidos com donos, com figuras, famílias que dominam toda a executiva partidária. Não é o caso da Paraíba”, comentou, acrescentando que em São Paulo, desde os anos 50 anos, famílias tradicionais não ocuparam os cargos principais. “Paulo Maluf não é de família tradicional, Celso Pita não é, Haddad não é, Dória não é, Erudina não é, e assim por diante”, comentou.
A mudança pela não escolha de famílias no poder ocorre, segundo José Henrique Artigas Godoy, porque as sociedades vão se desenvolvendo, a população aumentando, o eleitorado fica mais complexo, outras tendências políticas surgem e há uma maior concorrência interna dos partidos para definição e escolha das principais lideranças. “No caso da Paraíba, isso nunca aconteceu.Geralmente são partidos de donos e donos representados pelas parentelas ou famílias”, destacou, comentando que nos partidos essas famílias podem ter ligação genética ou fazerem parte de parentelas, ou seja, “são grupos articulados em torno de famílias. Na Paraíba essa é a regra principal dos partidos políticos como estruturas familísticas. Posso dizer, 100%, sem possibilidade de errar”.
Para o cientista político, só haverá mudança a partir do momento que os partidos começarem a repensar sobre como se organizam internamente e na concorrência eleitoral. “Um pouco semelhante é esperar que os deputados mudem a legislação eleitoral que permitisse que ele elegesse. É claro que quem s elegeu com a legislação eleitoral não quer mudar essa legislação”, ressaltou.
Diário da Paraíba com ClickPB