Um em cada 20 norte-americanos com mais de 55 anos fuma maconha

Pesquisa canadense mostrou que uso da cannabis passou de 4,2% em 2016 para 5,9% e 2018; especialistas comentam as possíveis razões.

Uma pesquisa realizada pela Universidade de Waterloo, no Canadá, e publicada na terça-feira (1º) no jornal científico Annals of Internal Medicine mostrou que um em cada 20 norte-americanos com mais de 55 anos fuma maconha ou haxixe (extração de cannabis) regularmente.

A pesquisa também mostrou que o uso da cannabis nessa faixa etária aumentou, passando de 4,2% em 2016 para 5,9% em 2018.

A motivação para o uso pode ter múltiplas origens, segundo o pesquisador Bill Jesdale, um dos autores do estudo. “Pode ser que haja mais pessoas usando maconha para condições médicas ou para uso recreativo. Pode ser também mais pessoas assumindo o uso”, afirmou.

O uso entre os homens aumentou de 5,5% em 2016 para 8,3% em 2018, enquanto o uso entre as mulheres passou de 3,2% para 3,9%.

Jesdale aponta que os 11 Estados onde o uso recreativo de maconha é legalizado apresentaram os maiores aumentos, porém o uso de cannabis na faixa etária pesquisada aumentou em quase todo os Estados Unidos.

Para Pat Aussem, vice-presidente associada de desenvolvimento de conteúdo clínico para o consumidor da Partnership to End Addiction de Nova York, que revisou o estudo, os adultos mais velhos estão usando maconha para aliviar dores, neuropatia, ansiedade, depressão, insônia e uma série de outras condições médicas.

Ela afirmou que as evidências mais concretas do uso da maconha estão ligadas à melhora da dor crônica, espasmos relacionados a esclerose múltipla e náuseas e vômitos resultantes da quimioterapia, porém para os outros usos as evidências são escassas.

O pesquisador e psiquiatra Renato Filev, do Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), concorda. “O uso pela população dessa faixa etária vem aumentando sobretudo nos Estados que regularam a utilização da cannabis e seus derivados para fins terapêuticos. Ela tem efeito analgésico e de neuroproteção para pessoas com doenças neurodegenerativas como Alzheimer, Parkinson e Esclerose Múltipla”, afirma.

Já Adriano Moraes, representante do projeto Vício Tem Cura da Igreja Universal, aponta que um dos fatores que levam ao aumento do uso de maconha por mais velhos é o descaso com que a sociedade trata esses indivíduos.

“A sociedade na qual vivemos não dá valor a pessoas de idade e isso tem sido feito até pela própria família. Então, elas buscam refúgio nessa substância para amenizar a dor e a solidão”, afirma.

Filev ressalta que os malefícios do uso da maconha são mais evidentes entre os adolescentes e jovens. Dentre eles, estão aumento da ansiedade e transtorno psicótico.

O risco está em consumir variantes da planta com alto teor de tetra-hidrocanabinol (THC), principal substância psicoativa da cannabis, que dá a sensação de euforia. Em contrapartida, o psiquiatra explica que o canabidiol tem a característica de ser antipsicótico e minimizar os efeitos do THC.

Por outro lado, de acordo com Filev, na população mais velha, a situação é diferente. “O que se tem visto é que os efeitos adversos são leves ou moderados quando comparados com o tabaco ou até mesmo com outros medicamentos usados por essa população. Existem até estudos que mostram o aumento da memória e da função cognitiva entre os idosos”, observa.

Aussem, no entanto, se preocupa com a possibilidade de os idosos não estarem prontos para aumento da potência da maconha que possui um processo de cultivo mais cuidadoso hoje em dia. Outra preocupação é a possibilidade de interação com outros medicamentos.

“Existem centenas de medicamentos que interagem com a maconha. Por exemplo, há uma preocupação de que o uso da maconha pode aumentar o risco de sangramento em adultos mais velhos que tomam anticoagulantes.”

Ela acrescenta que apenas alguns Estados exigem que o farmacêutico participe da distribuição medicinal da maconha, então algumas pessoas estão por conta própria para descobrir o tipo de produto, a dosagem, as interações medicamentosas e os efeitos adversos.

Aussem afirma que os idosos costumam buscar orientação de seus médicos, mas que eles não estão equipados para orientar os pacientes em relação à escolha da cepa, nível de dosagem e método de administração.

Já Moraes alerta para o risco de se tornar viciado no consumo de maconha. “Todo vício é uma ação repetitiva que degenera, causa danos e influencia diretamente na vida da pessoa, fazendo com que ela fique escrava da substância”, destaca.

“No caso específico da maconha, temos visto pessoas que tiveram o emocional diretamente afetado, a ponto de buscarem psicólogos e até mesmo recorrerem à internação”, completa.

De acordo com Filev, 9 em cada 100 pessoas que usam maconha têm dependência. A taxa é menor do que entre aqueles que consomem tabaco (33%) e álcool (15% a 17%)

“A dependência é um fenômeno multifatorial. Envolve o indivíduo, o cotexto em que ele está e qual a substância usada”, explica.

“Ela é caracterizada pelos profissionais a partir de uma escala de fatores. Mas o principal deles é a percepção da pessoa de que isso está fazendo mal para ela e da incapacidade de modificar seu comportamento de maneira autônoma”, acrescenta.

O pesquisador da Unifesp defende que a regularização do uso da maconha seja feita de modo responsável, a fim de proteger a saúde pública e individual. O processo incluiria, por exemplo, a restrição dos locais de venda e dos teores de THC.

“Mas uma questão importante é sobretudo a reparação social e histórica com pessoas que sofreram com essa proibição, que serve para uma aplicação do racismo estrutural da nossa sociedade, As pessoas encarceradas são jovens, negras e moradoras da periferia do país”, analisa.

 

Diário da Paraíba com R7